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Quem os produz?

Sexo, amor, dramas familiares: o que conta a nova geração de escritores cearenses

Foto: Divulgação

A psicose faminta de uma mulher em puerpério. O diário íntimo de quem deseja amar livremente. Nove meninas e mulheres na tentativa de contar as próprias histórias. Uma criatura encontrada por um suposto padre no jardim de uma casa abandonada.

Estas são marcas da literatura cearense feita pela nova safra de escritoras e escritores da terra. Gente que explora diferentes temáticas e gêneros a fim de imprimir um jeito próprio em paisagens, sentimentos e situações. Mas, afinal, que trabalhos são esses e quem os produz?

O Verso traz um recorte de nomes e obras, convocando você à leitura. Eles vêm da Capital e do interior, e ocupam páginas com amor, sexo, dramas familiares, ambientes fantásticos, ancestralidades, prosa, poesia, entre outros assuntos e formatos. Conhecê-los é comprovar o vigor desses escritos e até onde eles podem chegar. Vamos?

JORGE NOGUEIRA

Com textos publicados em várias coletâneas, além de sites, blogs e revistas, Jorge Nogueira lança “Inventário dos seus abraços” – um livro de contos com protagonismo gay no qual abraços e afetos são os fios condutores das histórias. A intenção do autor ao escrever a obra foi entender e dar sentido a situações, emoções e sentimentos próprios.

“A maioria das histórias trata de relacionamentos amorosos. Temas como homofobia, sexo, autoaceitação, afeto, rejeição e solidão perpassam os contos, compondo uma visão particular do universo gay. A ideia particular do divino e assuntos como as novas configurações das relações afetivas e o impacto das redes sociais nessas relações ganham outras discussões”.

Nascido em Jaguaribe, mas com passagens por São Paulo, Iguatu, Fortaleza e Brejo Santo – hoje, reside em Juazeiro do Norte, no Cariri cearense – Jorge já tinha dois ou três contos escritos e concluídos quando se inscreveu no Edital de Incentivo às Artes da Secult-CE. Após esse processo e um término de relacionamento traumático, a escrita se intensificou.

Em um curto período de tempo, desenvolveu a maioria dos textos da publicação, que chega ao público pela editora Substânsia. “O processo não foi fácil. Tive que lidar com o término da relação e com o luto pelo falecimento de minha mãe, no ano passado, quando ainda estava na fase de revisão da obra”, conta. Agora, novos planos surgem no front.

O autor – também bibliotecário – pretende escrever um romance e outro livro de contos, além de desejar ter narrativas adaptadas para o cinema. “Gosto de narrar histórias que se conectem com os leitores, que as pessoas leiam e pensem: ‘Caramba, passei por isso também! Comigo foi do mesmo jeito’. Acho que, nesses momentos, a literatura é pura magia”.

LETÍCIA BAILANTE

Um mapa. É assim que Letícia Bailante define “Rio-mulher”, livro no qual trabalha temáticas como amor, luto, saudade, relações familiares, sonhos, espiritualidade, sexualidade, tudo sob perspectivas ancestrais e transgeracionais. A publicação bebe da poesia para trazer à tona a história de nove meninas e mulheres de vários climas e vegetações do Ceará.

“Para mim, era importante deixar que as mulheres protagonizassem o livro, falassem sobre o que quisessem por meio dele. Selecionando as histórias, escolhi falar de temas delicados ou mesmo considerados tabu: traumas de infância, relacionamentos abusivos, desafios do envelhecimento, experiências com medicinas da floresta, IST’s, conflitos familiares, entre outros. Ao longo da edição do original, alguns textos saíram para garantir esse fio condutor”.

A proposta de uma forma híbrida – responsável por unir os gêneros conto, crônica e poesia em um material só – veio depois como necessidade de inventar, causar estranhamento, provocar o questionamento e alimentar a imaginação. O resultado é uma leitura tão inspirada quanto espontânea. Feito corrente, tecido de água. Rio.

“‘Rio-mulher’ desembocou. Brotou de uma nascente muito íntima e encontrou espaço em vidas de outras mulheres, seja como matéria-prima, seja como referência e inspiração. As histórias delas precisavam ser contadas e a água era o melhor elemento para isso, assim como as cosmovisões dos povos originários da latinoamérica, que há tempos nutrem meus dias”.

Crescida no bairro Parangaba, em Fortaleza, e com início na leitura desde os quatro anos de idade, Letícia também é jornalista e publicou o primeiro livro, “Aprendi a gostar de estar em casa” (Penalux, 2021), no mesmo semestre em que entrava na pós-graduação em Escrita e Criação. “Rio-mulher” é a segunda obra solo dela, com participação em antologias.

JUVENAL ARRUDA

Pedagogo sobralense, Juvenal Arruda traz ao mundo a narrativa de “O Filho Avulso”, um realismo mágico – gênero pelo qual o autor é fascinado. A obra suscita temas universais: amor, tempo, Deus, morte e vida. “Percebo que relação familiar é uma temática pertinente em tudo que escrevo, pois faço isso a partir da minha dor mais profunda”, diz o escritor.

É nela onde ele encontra a poesia mais íntima. Falar sobre família é doloroso para Juvenal porque ele sempre se sentiu filho “fora do ninho”, avulso no mundo dos homens. Não à toa, construiu um personagem que não teme falar da dor que carrega, revelando-a por meio da poesia da narrativa.

O pai que nunca conheceu, a mãe que sonha com o retorno do amado, o avô que quer a todo custo mais poder, a irmã que representa a leveza fugaz. “Enquanto escrevia, percebi que era algo totalmente diferente do que eu já havia escrito antes”, confessa.

Na contracapa do livro, a escritora Letícia Fernandes Leal resume a proposta da publicação. Segundo ela, “o protagonista, que narra em primeira pessoa a história mítica de sua origem familiar, parece envolto por uma atmosfera onírica e poética. O lirismo de Juvenal Arruda – poeta jovem e promissor – cai muito bem à prosa de seu primeiro e belo romance”.

O autor, inclusive, quer continuar escrevendo, sempre com muita paixão. O ofício é, para ele, cura e gozo. “Se haverá reconhecimento ou não, sinceramente, não estou preocupado com isso. O escritor precisa ser servo de sua verdade. Precisa expor esse mundo de sensibilidades que carrega. Um mundo não tão diferente das outras pessoas”.

PEDRO JUCÁ

Um livro de contos em que narrativas do cotidiano são usadas para trazer à tona questões profundas da condição humana, lançando as personagens em situações-limite. Em síntese, uma mistura de Manoel Carlos com Lars von Trier. Este é “Coisa amor”, de Pedro Jucá – escritor e procurador nascido e criado em Fortaleza, mas residente em Curitiba.

Na obra, são recorrentes temas como maternidade, morte, amor, memória, infância, sexo e desejo, solidão, perdas, loucura, o Inconsciente, corpos, crueldade e fragilidade, o baixo e o sublime, o belo e o grotesco, tudo o que diga respeito, enfim, às nossas relações, ainda que com nós mesmos.

“Tudo foi escrito ao longo de muitos anos, mas só recentemente os contos foram revisados, compilados e consolidados. Escrevo com muita disciplina, e sobre o que me atormenta. Crio narrativas porque essa foi a maneira que encontrei de transformar em objeto estético minhas questões, angústias e visões de mundo”, explica Pedro.

No geral, o autor gosto de narrar sobre as relações humanas. Família, amores. Sobre gente, ou melhor, sobre o que está dentro da gente. O que nos motiva a agir como agimos? O que se enterra por debaixo de nossas intenções? O que eu quis dizer e não disse? O que eu disse sem querer dizer? São questões que se projetam na escrita de Pedro.

“Minhas ambições são módicas: quero ganhar o Nobel (risos). Brincadeiras à parte, meu maior desejo é aquele que partilho com todos os escritores do mundo: ser lido. Se eu tiver umas poucas dezenas de pessoas nesse Brasilzão acompanhando e lendo o meu trabalho, já estarei feliz demais”.

CRIS SOARES

Nascida em Pedreiras (MA), mas criada desde os dois anos de idade em Fortaleza, no Jardim Iracema, Cris Soares é autora de “Tudo sobre Nós”. Ela o descreve como um romance para além do clichê em que melhores amigas se apaixonam. “É sobre escolhas e medos, e o quanto desse medo influencia o caminho que decidimos seguir”.

É ainda a respeito de como lidamos com as consequências quando caímos em nós mesmos de que, se não fosse pelo medo, o trajeto seria o completo oposto. Em resumo, o livro conta a história de Vicky e Mari. A primeira mora em Fortaleza e está se divorciando pela segunda vez; já é segunda é fotógrafa e vive viajando pelo Brasil em busca dos melhores cliques.

Desde a adolescência, quando se conheceram, as duas nunca mais se desgrudaram, ainda que por mensagens de texto ou chamadas de vídeo. São melhores amigas que se amam – embora precisem percorrer uma longa travessia até entender (e aceitar) esse caráter romântico.

Além da representatividade bissexual e lésbica, “Tudo Sobre Nós” fala sobre o amor entre mulheres de forma muito simples e natural, dentro de todas as confusões da adolescência – uma vez que a narrativa perpassa quase 20 anos da vida das protagonistas. É leve, fluido e muitíssimo bem-humorado. A obra será lançada no dia 28 de junho, às 19h, na Livraria Leitura do shopping RioMar Fortaleza.

“Minha intenção era, com tudo que Vicky e Mari viveram, evitar que tantos amores correspondidos não fossem vividos. Sério, acho que ninguém faz ideia de quantos amores são sufocados, de quantas pessoas convivem diariamente com o fantasma de um amor que implorava para ser vivido e não foi”.

Diário do Nordeste

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