Homem preso por 5 anos no Ceará consegue provar inocência: "Arrancaram os meus sonhos de mim"
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Foto: Reprodução |
Cláudio foi confundido com um criminoso conhecido por "Maníaco da Moto", procurado por oito estupros entre 2013 e 2014, em Fortaleza. Na época, Cláudio trabalhava com o pai em uma borracharia da família e também como investigador particular.
"Arrancaram todos os meus sonhos de mim. Passei muitos dias sendo levado de uma delegacia para outra, sendo torturado para confessar uma coisa que não fiz. Eles estavam dizendo que eu tinha praticado o crime que eu mais abomino. Nunca iria confessar, porque nunca fiz isso", relatou Cláudio.
Mesmo alegando inocência, ele foi encaminhado para o Complexo Penitenciário de Itaitinga, onde passaria pelas três rebeliões mais violentas do Ceará. No Centro de Execução Penal e Integração Social Vasco Damasceno Weyne (Cepis), a CPPL V, ele disse que aprendeu a "sobreviver a mais um dia".
"Tenho marcas no corpo das torturas que eu sofri lá dentro, mas as piores são as marcas que ficaram na memória, nos sentimentos. A cadeia é um lugar que você não tem um segundo de paz. Todo dia eu sabia que podia perder minha vida. Ninguém pode imaginar o que é estar trancado com 200, 400 pessoas armadas, dispostas a tudo", recorda, emocionado.
Sobre as torturas que Cláudio diz ter sido vítima no Sistema Penitenciário, a Secretaria da Administração Penitenciária e Ressocialização (SAP), informou por meio de nota que "repudia qualquer ato que atente contra a dignidade da pessoa humana".
Revisão criminal
Foi em um momento de recreação da unidade prisional que Cláudio diz ter recobrado a esperança de provar sua inocência, quando viu em um filme a existência da ONG americana Innocence Project, criada para auxiliar pessoas do mundo todo a comprovarem que estão sendo vítimas de acusações injustas. Os advogados conseguiram auxílio para a defesa dele, que havia sido condenado, em 2018, a nove anos de prisão por estupro de vulnerável.
Conforme o Innocence Project Brasil, Cláudio foi preso e condenado com base exclusiva em prova de reconhecimento. "Em parceria com a Defensoria Pública do Ceará, o Innocence Project Brasil produziu novas provas que demonstravam a impossibilidade de Antônio Cláudio ser o autor dos crimes. Graças a essas provas, o Tribunal de Justiça do Ceará acolheu Revisão Criminal proposta pelo Projeto e pela Defensoria, e absolveu-o em julho de 2019".
Um trabalho de perícia comprovou que o verdadeiro "Maníaco da Moto", flagrado por câmeras de segurança, tinha uma marca no rosto que Cláudio não tem. Além disso, o verdadeiro criminoso seria 20 cm mais alto que Cláudio.
O POVO entrou em contato com a Secretaria de Segurança Pública e Defesa Social (SSPDS), sobre as circunstâncias da prisão de Antônio Cláudio e sobre a declaração de que ele foi torturado dentro de delegacias da Polícia Civil. A pasta respondeu que investigou os crimes de estupros, registrados nos anos de 2014 e 2019, no bairro Parangaba, e enviou o inquérito à Justiça no ano de 2021.
"À época, o verdadeiro autor dos crimes, um homem de 43 anos, foi identificado por equipes do 5° DP, tendo sido indiciado pela autoridade policial que representou pela prisão preventiva do homem. A solicitação foi encaminhada, no entanto, foi negada pelo Poder Judiciário", informou, por meio de nota.
Uma pessoa diferente
Cláudio Sousa diz que se tornou uma pessoa diferente, que não consegue se "reconectar" com a pessoa que era antes de ir para a cadeia: "Não consigo parar de pensar o porquê de terem feito isso comigo. Eu me afastei de minha família, dos meus pais para não vê-los sofrer ainda mais. Não consigo dormir, vivo com medo de alguém pular o muro, arrombar a porta do quarto para me fazer mal".
O borracheiro disse que tentou voltar ao trabalho, mas não se sentia seguro fora de casa. Ele processou o Estado e aguarda o resultado da ação, que ainda não foi julgada.
"O Estado nunca me deu nada, nem apoio psicológico. O que mais queria era um pedido de desculpa. Era que alguém voltasse atrás e dissesse que se enganou, que errou. Quero que a pessoa que fez isso seja presa, para não fazer mais vítimas. Quero continuar lutando para que tudo o que eu passei tenha um propósito", declarou.
A reportagem também entrou em contado com a Procuradoria-Geral do Estado do Ceará (PGE-CE), que respondeu que "ainda não recebeu notificação formal referente ao caso em discussão".
O Povo
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